domingo, 20 de janeiro de 2013

Comunidades virtuais de prática


 

Andrade e Lagarto, em Gestão das Tecnologias na Escola, começam por fazer uma afirmação, com a qual os resultados escolares, e as constantes procuras pela cura dos problemas sucessivos na educação, parecem ter de concordar: “O sistema de ensino parece não estar preparado para trabalhar com eles [alunos] e com a sua diferente forma de processar informação! (p. 1).
Demanda-se, portanto, por ajustamentos da escola à realidade; por respostas baseadas na investigação, que vai referindo (já o dizia Vygotsky) que se aprende o que se vivencia, não o que nos é debitado (o tempo do magister dixit já lá vai – quando é que aceitamos isto?). “O tradicional paradigma do ensino baseado no princípio do Conteúdo e da Transmissão deverá evoluir com o reforço da vertente Contexto e Actividade” (p. 3), clamam Andrade e Lagarto. “A sociedade e, em particular a escola, evoluem de uma filosofia de sistema para uma filosofia de rede. A lógica de rede é mais democrática que a lógica do sistema e procura gerar cooperação alargada, de reciprocidade dinâmica e policêntrica” (p. 7), escrevem também os autores. É, pois, urgente adaptar a escola a estes “nativos digitais” (p. 2), como chamam Andrade e Lagarto, citando Marc Prensky, aos alunos de hoje, “Imigrantes nem sempre adaptados e integrados”. São os “imigrantes no universo digital”. Todo mudou com a “presença massiva das Tecnologias da Informação [até as] variáveis espaço, tempo e realidade” (p. 4).
Os autores falam, depois, no que afirma a neurobiologia sobre a neuroplasticidade do cérebro (“que se manifesta na constante capacidade de auto reorganização em função dos inputs recebidos”). Ao impedir o uso das novas tecnologias, os investigadores, citando Ken Robinson, afirmam que “as escolas matam a criatividade”. Diversos autores têm, de facto, retirado conclusões importantíssimas no que respeita à plasticidade cerebral (e ao facto de esta ser uma constate ao longo da vida – Merzenich, citado por Doidge, em The Brain that Changes Itself). Estudos referem que a aprendizagem é o caminho para verdadeiramente se incluir todos os alunos na escola. Os estudos e as práticas continuam de costas voltadas, o que compromete o objetivo dos primeiros.
O objetivo é ensinar a aprender, como lembram Andrade e Lagarto, algo que surge como uma constante nos meios escolares, mas cuja prática ainda requer muito mais. Os autores afirmam que “Não se trata do que ensinar e aprender, mas como ensinar a aprender!”.
Ao criticarem, na sequência do que afirma Kauppila (2005, citado pelos autores), o uso das tecnologias para um mero “corta e cola através da internet”, Andrade e Lagarto exclamam que “Estamos perante uma nova Idade Media!” E a culpa, como em tantas outras mudanças desejadas, recai sobre os “Velhos do Restelo” (p. 3). “Sabe-se que a resistência humana à mudança se justifica pelo desconforto que o desconhecido provoca face ao conhecido” (Andrade & Lagarto, p. 9).
Pertencemos hoje à Sociedade da Informação, termo que decorre da expressão de Peter Druker (citado pelos autores), «Sociedade Pós-capitalista”. Contudo, “A maioria das escolas, na maioria dos países europeus ainda estão na fase inicial da adopção das TIC” (p. 36), embora diversos estudos avancem com dados claros sobre a forte relação entre o uso das TIC e resultados positivos em diversas áreas. Andrade e Lagarto falam em três grandes à adopção das TIC no ensino: (i) o apetrechamento das escolas nem sempre é feito a tempo e com o equipamento adequado; (ii) podem falhar os planos de manutenção preventiva e de reparação; (iii) uma parte muito significativa de professores, na sua formação inicial, nunca aprendeu em ambientes tecnologicamente enriquecidos pelo que não transpôs para a sua atividade essas formas de ensinar. A este respeito, Andrade e Lagarto adverte para o facto de os meios virtuais não serem “meios naturais, nem espaços onde, de um modo geral, todos os utilizadores se sintam à vontade” (p. 115). Este pressuposto concorre, em minha opinião, para a desmotivação e, consequentemente, para a resistência na adoção das tecnologias. 
Falamos, portanto, de uma nova sociedade, caracterizada por Carlos Tedesco (Tedesco, 1999, citado por Andrade & Lagarto) como tendo três dimensões “onde ocorrem mudanças profundas sob o dominador comum da influência das Tecnologias da Informação: (I) estrutura dos interesses, (II) carácter dos símbolos e (III) natureza das comunidades. Isto é, em que pensamos, com que pensamos e onde desenvolvemos o nosso pensamento são influenciados pelas tecnologias da informação” (p. 5).

E é no contexto do “onde desenvolvemos o nosso pensamento” que surgem as comunidades de prática.

Em Como as comunidades virtuais de prática e de aprendizagem podem transformar a nossa concepção de educação, José Rodríguez Illera refere que “As comunidades virtuais aparecem como o resultado de uma prática continuada, a partir dos anos 80 ou até antes, quando as tecnologias de comunicação passaram a permitir interligar um grande número de utilizadores num espaço comum de intercâmbio de mensagens”. O autor fala nas comunidades mais conhecidas como a UseNet, com milhões de utilizadores, a Minitel, em Franca e a WELL nos Estados Unidos.
A UseNet é um meio de comunicação onde usuários postam mensagens de texto (chamadas "artigos") em fóruns que são agrupados por assuntos (chamados newsgroups ou grupos de notícias). Ao contrário das mensagens de e-mail, que são transmitidas quase que diretamente do remetente para o destinatário, os artigos postados nos newsgroups são retransmitidos através de uma extensa rede de servidores interligados.
 Minitel, por outro lado, foi um pequeno terminal de consulta de banco de dados comerciais existentes nos Correios, nas Telecomunicações e nas Teledifusões existentes na França.
Quanto à The WELL (http://www.well.com/), podemos aceder, em conferências, por exemplo, em Conferences for Computers, Tools and Science e aqui escolher um tema e entrar.
José Rodríguez Illera lembra que as tecnologias implícitas a estes meios de comunicação são anteriores ao desenvolvimento da Internet: a começar pelo correio eletrónico, seguido dos portais de anúncios e, posteriormente, dos fóruns de discussão, dos sítios web e até tecnologias mais recentes como os diários ou weblogs, ou os wikis e outras mais especializadas.
            Andrade e Lagarto falam também nestas comunidades de prática (CoP) de aprendizagem, que são definidas por Wenger (1998, citado pelos autores) como sendo “grupos de pessoas que partilham um problema ou uma paixão por qualquer assunto com que se relacionam e aprendem a fazer melhor à medida que interagem e partilham experiências no interior da comunidade” (p. 116). Será, como referiram Shaffer e Anundsen citados por Pallof e Pratt (que os autores retomam), “ um todo dinâmico que emerge quando um grupo de pessoas compartilha práticas comuns, são independentes, tomam decisões em conjunto; identificam-se com algo maior que a soma de suas relações individuais, e fazem um compromisso de longo prazo com o bem-estar (seu próprio, um do outro, e do grupo)”. Segundo Andrade e Lagarto, uma comunidade de prática é afinal um grupo de pessoas que: 

- partilha os mesmos desafios,

- interage com regularidade,

 - aprende de forma coletiva e por partilha e

 - aumenta as competências individuais e da própria comunidade.

 

Por outro lado, escrevem os autores que cada membro da comunidade utiliza-a para: 

- ajudar na resolução dos seus problemas e de outros membros que partilhem a mesma situação;

- analisar as boas práticas dos outros evitando cometer erros no seu próprio contexto;

- manter-se atualizado;

- refletir sobre a sua própria prática e melhorá-la;

- aumentar o conhecimento na área temática da própria comunidade.
 
Sobre as condições para a existência de uma comunidade, os autores escreem que, por um lado há que criar condições de aparecimento, desenvolvimento e manutenção da própria comunidade e, por outro lado, o domínio deve ser desafiador e de utilidade para o grupo. Acrescentam ainda que a “existência de comunidades de prática, fomentada institucionalmente, ajuda a que estas tenham ciclos de vida maiores. Daí ser sempre bem-vindo algum suporte financeiro, obtido através de sponsors (internos ou externos)” (p. 117).
Após definirem o que é uma comunidade e da sua finalidade, os autores, na esteira de Wenger, que citam, concluem que a comunidade existe quando tem um domínio (área temática de interesse comum), quando existe uma comunidade (grupo de pessoas interessados nessa temática) e exista prática de partilha entre os membros dessa mesma comunidade.
José Rodríguez Illera tece uma distinção entre comunidades virtuais e comunidades de prática: as primeiras (as virtuais) criam-se por motivos muito diferentes (desde o consumo de informação, a interesses particulares num tema concreto, passando pelo recurso a canais de comunicação estáveis); as segundas (as comunidades de prática) são organizações que mantêm uma continuidade temporal, mas que, sobretudo, se definem pela partilha de uma prática entre os seus diferentes membros, mais que por ter uma ideia de comunidade muito mais definida que as comunidades virtuais esporádicas, conjunturais.

Sobre o como surge uma Comunidade, Andrade e Lagarto refrem que poderá ser por acaso ou por vontade de alguém. 

Focando agora estes meios de comunicação sob o olhar de um professor, será importante o que refere José Rodríguez Illera, quando analisa estas comunidades numa perspetiva académica, que enfatiza o caráter social da aprendizagem “e que a pensa sempre como resultado de uma situação comunal ou societal, mais do que como matéria meramente individual ou pessoal”, amplamente defendido por Vygotsky. A Teoria da Aprendizagem de Vygotsky defende exatamente que o processo ensino-aprendizagem terá de prever atividades pedagógicas que pressuponham a participação ativa dos sujeitos. De acordo com Wersch (1993), em Mind in Society, obra a partir da qual a teoria de Vygotsky se tornou mundialmente conhecida, existem três aspetos fundamentais naquela obra e, por isso, na teoria de Vygotsky, dos quais destaco dois:

As funções mentais mais elevadas do indivíduo emergem de processos sociais e

Os processo sociais e psicológicos humanos formam-se através de ferramentas – artefactos culturais – os quais servem para proceder à mediação entre os indivíduos e o meio físico que o envolve. 

José Rodríguez Illera menciona que, mais recentemente, a crítica antropológica (Lave, 1988) e a psicológica, assim como a pedagógica, criticaram a visão meramente cognitiva/cognitivista da aprendizagem, privilegiando uma perspetiva “que coloca em primeiro lugar o caráter altamente contextualizado de qualquer aprendizagem”. Enfatiza-se, portanto, “o caracter social e comunitário da aprendizagem e a importância dos diferentes contextos de socialização, ou de prática, como geradores dessa mesma aprendizagem”.
Na sequência do que foi dito, Andrade e Lagarto referem-se a obras como Wikinomics de Davenport, ou à sabedoria das multidões de James Surowiecki para aludirem à “riqueza da participação em massa na criação de conhecimento” (p. 111).
A prática e a teoria ensinam-nos, de facto, que aprendemos o que vivemos, o que vemos, não o que nos dizem. Isso vale para tudo, nomeadamente para a Inclusão, área da Educação onde me movo (isto que disse é tão impreciso, e tão não verdade – uma vez que a Inclusão deverá ser algo onde todos nos movemos). Os alunos irão incluir um dia, na sociedade, se viverem a Inclusão na Escola – e não se apenas se tiver falado sobre a Inclusão nas aulas de Educação para a Cidadania. 

E o que é uma comunidade? José Rodríguez Illera, citando Corominas (1987), escreve que “Comunidade é uma palavra que provém do latim commune e communis, conjuntamente, em comum, conjunto de pessoas que se vinculam pelo cumprimento de obrigações comuns e reciprocas”. É uma palavra que existe desde meados do seculo XV. Daqui, virão palavras como comunismo e comunicação.